
Ligia Dabul nasceu e vive no Rio de Janeiro. É antropóloga, pesquisadora e professora da Universidade Federal Fluminense, onde escreve e desenvolve pesquisas em Antropologia da Arte. Tem poemas publicados em jornais e revistas literárias do Brasil e de outros países. Publicou em 2005 o livro de poemas Som pela Editora Bem-Te-Vi (Rio de Janeiro); Algo do gênero, pela Arqueria Editorial - SP, em 2010 e recentemente (7/12/2010) Nave, pela Lumme Editor, na série Caixa Preta.
Três poemas de Nave
MISTÉRIO
Só as senhoras carregam guarda-chuvas
intactos quando chove no verão.
Muda tudo se o tempo muda e então
as janelas se fecham. Eu já não escuto
a chuva, o vento, o carro derrapando,
o estalo das varetas. Nem cigarras
vaticinaram isso! O que virá
dessas horas molhadas? E no entanto
senhoras e segredos aparecem
impecáveis. A tarde pelos vidros
passa. Crianças dizem que preferem
brincar nas poças. Pedem para andar
assim mesmo, sem nada. A vida tira
capas, tranca vidraças, guarda as águas.
PREAMAR
O Rio de Janeiro assa. Vai
chover. Meninas fervem pelas bordas.
Há quem voe no afã da fuga. Nada.
Mamíferas emergem dando corda:
não senti o arpão bífido daqueles olhos.
Nem me afastei de nenhum barco
por amor. A malina encobre meus
desejos incompletos. Pelo mar
delocam-se surpresas. Venta mais.
Vai chover e a cidade arde demais.
Experimento as bordas das meninas.
O pescador imita a minha cria
com gemido eletrônico. Confundo-me
com os gritos. Despeço-me de tudo.
ULTRALEVE
o vôo mais que pássaro
passagem
fora do corpo
pouso durante o espaço
não é nada
nada
só que o coração pequeno
adivinha
o plano
dispara
uma pena
...