Conheci Carlos Machado em Salvador, quando ambos visitávamos a boa terra. A dele mesmo, de nascimento, e a minha, de puro sentimento. Conheci-o como jornalista, habitante de São Paulo, e passei a acompanhar desde então a página alguma poesia, minha preferida até hoje.
Dava para imaginar que a busca, a seleção, o cuidado com a edição de cada boletim, o poesia.net, só poderiam ser feitos por quem tivesse muita intimidade com a poesia, uma intimidade que pressupõe paixão.
Sabe-se que a dedicação à poesia não é para todos. Quase sempre é atividade de poeta, de quem não esmorece ante a adversidade, se chamarmos a isso esse tempo de explosões midiáticas. Basta dizer que se perguntamos a alguém o nome de três (está bem, dois) poetas brasileiros teremos como resposta os mais conhecidos, e com certeza mais conhecidos mortos do que em vida. Na real, nem quem gosta parece se interessar tanto. Isso é sinal de tempos obscuros, de descuido com a educação, do desconhecimento geral das elites sobre a importância (e a necessidade) da poesia. Carlos Machado navega contra isso, e sua luta é pacífica e magnífica, de resistência, de quem sabe que a garantia de manter viva a poesia já escrita é a existência dos poetas vivos. Só eles se dão ao trabalho de reler e reler, repensar, revelar, recriar. E por tudo isso, o que havia a esperar aconteceu: um pássaro novo pousou na literatura contemporânea brasileira - O pássaro de vidro, de 2006 trazia aos admiradores o livro próprio de Carlos Machado, este poeta delicado e incansável que mantém viva a obra de quantos souberam olhar o mundo e a si mesmos sem as rédeas do pensamento único.
Depois vieram Mané Ventura, Gonçalo e eu - uma história de cordel, de 2012, Cada bicho com seu capricho - poemas para crianças, de 2015, e Tesoura Cega, também de poemas, de 2015.
Carlos Machado passeia pelos temas eternos da poesia e também da sua própria eternidade, alcançada quando identifica seu papel no mundo, a originalidade do olhar, o entendimento com as coisas, o mar, o mundo, as gentes todas que nos habitam.
Como sabem, não sou crítica. Sou apenas amante e leitora de poesia. Do que gosto, gosto. Sobre o que não gosto, não adianta tergiversar. A crítica está nos textos de Mario Rui Feliciani e Ronaldo Costa Fernandes, autores dos textos da orelha e do posfácio, respectivamente.
O livro é da dobra literatura e faz parte do Selo Donizete Galvão de poesia.
E abaixo vão três poemas do livro.
MAPA
De certo, apenas a incerteza.
O copo branco sobre a mesa
e esta aspiração de domingos.
De certo, a morte e seus respingos.
O menino azul quer um mapa,
carta de agir, segura e exata.
Quer seguir rijo, reto e justo
para justíssimo lugar.
O que, então, responder? Desiste,
esse lugar não há e – triste –
não há mapa, nem portulano,
nem porto lhano onde ancorar?
Como dizer? Menino, os mapas
não são roteiros de achamento,
mas tênues direções de vento
para quem só busca o buscar.
PASTELARIA TRIUNFO
Foi na Pastelaria Triunfo
uma casa de comércio na
Cidade da Bahia – mas também
um locus suspenso na memória
de meu amigo Santana –
que se deu aquele episódio
de criança, luzes, sorvetes
e alumbramento. Cada um
de nós tem sua Pastelaria Triunfo,
seu porto de sonhos à prova
de vento e desterro. Não importa
se um dia o lugar existiu
de física presença – na Ladeira
da Praça, na Graça, na Praça
da Sé – ou é apenas miragem,
amarrotado desvario que
mantém o homem vivo.
A CAÇA INSUBMISSA
Nada possuis do outro
nem corpo nem asa
nem mesmo o sopro
morno da palavra
teu é apenas o perfume
de carne e cedro
que aspiras na pele
da caça insubmissa
nada é teu: dorme
e inventa no sonho
outra forma de laço
caça sem caçador
...
Dava para imaginar que a busca, a seleção, o cuidado com a edição de cada boletim, o poesia.net, só poderiam ser feitos por quem tivesse muita intimidade com a poesia, uma intimidade que pressupõe paixão.
Sabe-se que a dedicação à poesia não é para todos. Quase sempre é atividade de poeta, de quem não esmorece ante a adversidade, se chamarmos a isso esse tempo de explosões midiáticas. Basta dizer que se perguntamos a alguém o nome de três (está bem, dois) poetas brasileiros teremos como resposta os mais conhecidos, e com certeza mais conhecidos mortos do que em vida. Na real, nem quem gosta parece se interessar tanto. Isso é sinal de tempos obscuros, de descuido com a educação, do desconhecimento geral das elites sobre a importância (e a necessidade) da poesia. Carlos Machado navega contra isso, e sua luta é pacífica e magnífica, de resistência, de quem sabe que a garantia de manter viva a poesia já escrita é a existência dos poetas vivos. Só eles se dão ao trabalho de reler e reler, repensar, revelar, recriar. E por tudo isso, o que havia a esperar aconteceu: um pássaro novo pousou na literatura contemporânea brasileira - O pássaro de vidro, de 2006 trazia aos admiradores o livro próprio de Carlos Machado, este poeta delicado e incansável que mantém viva a obra de quantos souberam olhar o mundo e a si mesmos sem as rédeas do pensamento único.
Depois vieram Mané Ventura, Gonçalo e eu - uma história de cordel, de 2012, Cada bicho com seu capricho - poemas para crianças, de 2015, e Tesoura Cega, também de poemas, de 2015.
Carlos Machado passeia pelos temas eternos da poesia e também da sua própria eternidade, alcançada quando identifica seu papel no mundo, a originalidade do olhar, o entendimento com as coisas, o mar, o mundo, as gentes todas que nos habitam.
Como sabem, não sou crítica. Sou apenas amante e leitora de poesia. Do que gosto, gosto. Sobre o que não gosto, não adianta tergiversar. A crítica está nos textos de Mario Rui Feliciani e Ronaldo Costa Fernandes, autores dos textos da orelha e do posfácio, respectivamente.
O livro é da dobra literatura e faz parte do Selo Donizete Galvão de poesia.
E abaixo vão três poemas do livro.
MAPA
De certo, apenas a incerteza.
O copo branco sobre a mesa
e esta aspiração de domingos.
De certo, a morte e seus respingos.
O menino azul quer um mapa,
carta de agir, segura e exata.
Quer seguir rijo, reto e justo
para justíssimo lugar.
O que, então, responder? Desiste,
esse lugar não há e – triste –
não há mapa, nem portulano,
nem porto lhano onde ancorar?
Como dizer? Menino, os mapas
não são roteiros de achamento,
mas tênues direções de vento
para quem só busca o buscar.
PASTELARIA TRIUNFO
Foi na Pastelaria Triunfo
uma casa de comércio na
Cidade da Bahia – mas também
um locus suspenso na memória
de meu amigo Santana –
que se deu aquele episódio
de criança, luzes, sorvetes
e alumbramento. Cada um
de nós tem sua Pastelaria Triunfo,
seu porto de sonhos à prova
de vento e desterro. Não importa
se um dia o lugar existiu
de física presença – na Ladeira
da Praça, na Graça, na Praça
da Sé – ou é apenas miragem,
amarrotado desvario que
mantém o homem vivo.
A CAÇA INSUBMISSA
Nada possuis do outro
nem corpo nem asa
nem mesmo o sopro
morno da palavra
teu é apenas o perfume
de carne e cedro
que aspiras na pele
da caça insubmissa
nada é teu: dorme
e inventa no sonho
outra forma de laço
caça sem caçador
...