Ciência do casulo:
Aguardar da borboleta
O grande pulo.
O petróleo do navio
pintou de preto o mar.
Natureza morta.
Astro
Ao cometa – com ciúme –
Também tenho luz,
diz o vaga-lume.
Pequenos burgueses Coloquem água quente no bule
ou na térmica com cuidado. Paciência.
A nossa fome vive sentada à cama.
*******************************************************************
Os poemas abaixo são uma amostra do que contém a edição nº 13 do Balaio de Gato - Cultura em movimento, editado no Recife por Jorge Lopes, comemorando os 34 anos de história do Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco.
DOMINGO, NA MATINÊ
Alberto Cunha Melo
Não, não sou o cowboy solitário
mas aquela nuvem de poeira
atravessando a planície:
me falta coragem de entrar em Abilene,
pedir um trago no balcão
e perguntar grosso pelo facínora,
bebo aqui mesmo e sinto medo da noite;
não tenho revólver com marcas na coronha,
nem cavalo ensinado que me desamarra com os dentes,
sou o índio sem rosto, que só sabe cair;
não sou cowboy solitário;
não salvo Susan da quadrilha de Jesse
nem do mau casamento,
mas brigo com o espinho para espiá-la no banho.
PEITICA SARCÁSTICA
Lara
No Olimpo
ou aqui pertinho
a barra é pesada.
De tronos olímpicos
ou buracos humanos
vem certeira
cacetada.
De deusinhos
cloróticos
ou nobreza
bem safada
o sopapo
da pancada.
Segure o bofe
dessa vil
papagaiada
ANTÍPODA
Fred Caminha
Sou quem crio
Sendo criado
Sou da frente
Sendo do lado
Sou marginal
Sendo abissal
Sou sincero
Sendo mistério
Sou absurdo
Sendo critério
CACHAÇA ATÔMICA
Aldo Lins
Me armei com o copo e a espada
E a minha lança perfumada
Como um infante
Que perdeu a infância
E a infantaria
Não reconheci meu inimigo
Só no espelho o coração ferido
Como um cavaleiro
Que perdeu a dama
E a cavalaria.
Arremessei cem copos
De goela abaixo
E atravessei a rua
Como um artilheiro
Que perdeu o gol
E a artilharia.
****
Heloísa Bandeira de Melo
Amei a nossa noite
que não era noite
e nem era nossa
apenas amei
com a força do ódio
que não era ódio
nem era força
apenas cansaço da vida.
SOBRE O GOSTAR
Miró
Passado o 1º susto
O resto é café pequeno
Gostar tem lá os seus golpes:
beijos e quedas que quase sempre
nos levam a uma clínica de fraturas
Tem uns até que dizem,
engessar o coração para sempre.
Passado o 1º susto
O resto é café pequeno.
TARDE
João Landelino Câmara
Tarde nos céus
tarde de estio
tarde sem frio
tarde sem véus
tarde demais
Sol moribundo
sombras no asfalto
respiro alto
suspiro fundo
tarde demais.
FALA
Tereza Tenório
A boca mastiga a fala
quando ondas de saliva
calam o último pulsar
desta alegria interdita
até quando chegue a morte
sua sombra iluminada
da solidão dos vitrais
mudos de luar e bala
ILUMINADA
Lucila Nogueira
Eu prefiro chamar-te inocente
liberdade secreta da verdade
doce sabedoria que não mente
filtrando as rédeas da realidade
Eu prefiro chamar-te inocente
exagerado em sensibilidade
gigante alucinado comovente
eu prefiro chamar-te inocente
REPÚBLICAS ESTUDANTIS
Xico Sá
o barulho da descarga
pira espanta a noite
louca a galope
morcego cego
mosca barata tonta
vampira vã kafkiana
que masturba os rapazes
das repúblicas estudantis
febris rapazes infantis
que ainda choram
o esperma derramado.
MOÇA DE MIL LUAS
Wilson Vieira
Senti o seu olho quente
me acender a virilha
como a quilha do navio
sente o abrir-se da trilha,
como, no pavio, a chama
brilha e lança fagulhas!
Senti o ferrão do cio
como a carne sente a agulha!
Se era bela? Era tudo!
Como aquelas inventadas,
pelos pincéis modeladas,
pelos cordéis propaladas!
Era escultural mulher
como a moça de mil luas
de aldeias ancestrais,
de imemoriais festins,
branca de marfim... e nua!
Senti sua língua acesa
em cada pêlo do corpo.
Quis levantar vôo e fui
vagando seus litorais.
Nos seus grotões abissais,
encontrei cem mil tesouros!
Bebi seu líquido ouro,
quando estourou seu açude...
eu fui feliz como pude.
Que mais posso ser, que mais?
RETRATO CAMPESTRE
Carlos Pena Filho
Havia na planície um passarinho,
um pé de milho e uma mulher sentada,
e era só. Nenhum deles tinha nada
com o homem deitado no caminho.
O vento veio e pôs em desalinho
a cabeleira da mulher, voando,
e despertou o homem lá na estrada
e fez o canto nascer no passarinho.
O homem levantou-se e veio, olhando
a cabeleira da mulher voando
na calma da planície desolada.
Mas logo regressou ao seu caminho
deixando atrás um quieto passarinho,
um pé de milho e uma mulher sentada.
NATAL DEPOIS
Cícero Melo
Seu José toma cachaça,
Madona Maria esmola
e Jesus, bem pequenino,
pelas calçadas se esfola,
com seus olhos de assassino,
cheirando os sonhos de cola.
CALDEIRÃO LISÉRGICO
Malungo
A brisa da manhã vem galopar na minha pele.
Vagabundo que coma lixo e rico que se encastele.
Os passarinhos enfileirados dentro da caixa de música.
Mas, no subúrbio, aflora o solidário de formas rústicas.
Cabeça que "bóia", caneta que entorta.Sai por aí filosofando com postes pedras e portas.
Beira-mar, beira de céu; beirando a pinel.
Vive a cantar melodias estranhas, fora da parada do "cartel".
Quero deslizar no meu pensamento colorido.
Quero entender a nóia do soldado tão sentido.
Quero folhas verdes, vaginas e beira-mar.
E agora, como coser os retalhos do pensar?
Pilatos tomando uma com limão no Bar Rabais.
É o meu coração ateu de velhos carnavais.
Os "noves fora" da conta draudada dos zeros
- Eu acredito mesmo é na batida do meu som stereo.
ANGOLA
Chicão
Negra legião
madrugada
a cova em que cabe o grão
cabe a granada
na hora em que surge a vida
há explosão.
VERSO PRESO
Marcos Alexandre Morais
De livre não tenho nada
Nem a alma
Pregada nesta cidade azulada
Nem uma palavra
Tudo em mim é gravidade
Afunda
Poemas de pedra
Sonhos de chumbo
A liberdade é uma invenção
Para vender passagens...
Meu barco é composto
por âncoras
Minha virtude por vícios
De livre não tenho nada
Só o sacrifício
CORPO A CORPO
Wilson Freire
E rolamos e bolamos,
nos chocamos
até virarmos dois seixos.
E suamos e molhamos
e nadamos
até virarmos dois peixes.
Mergulhamos, afundamos e giramos
até perdermos os eixos.
Nos lançamos, nos cruzamos,
nos traçamos
até virarmos um feixe.
O meu fluo,
teu refluxo,
nós dois flácidos:
vertiginoso desleixo.
RESISTÊNCIA
Jorge Lopes
Uma canção de amor
Eu construo agora
Com meus sonhos
E tua fome de tudo.
***
O poeta Haroldo
A ausência
de compreensão
Para o que é
da existência
é perseguição.
BÊ-A-BÁ
Ericskon Luna
Bicados num beco de mim
aos baques
bradam baco e bakunin
CANTO DE AMOR E LAMA I
Erickson Luna
Choveu
e há lama em Santo Amaro
nas ruas
nas casas
vós contornais
eu não
a mim a lama não suja
em mim há lama e não suja
eu sou a lama das chuvas
que caem em Santo Amaro
Vosso scotch
pode me sujar por dentro
cachaça não
vosso perfume
pode me sujar por fora
suor nunca
porque sou suor
a cachaça e a lama
das chuvas que caem
em Santo Amaro das Salinas
DÁDIVAS
Manoel Cardoso
(para Marília Marcelo e Roberto Braida)
Não me enviem palavras desgastadas
submersas inteiramente em repetitivas falas
nas quais proliferam os chavões, as mesmices
de um cotidiano sem nenhum reflexo
do autêntico, mesmo que venham envoltas
em papéis brilhantes, que se antepõem
ao nada do presente
enviem-me palavras pedras, recém-tiradas do cascalho
com o polimento apenas da correnteza do arroio
palavra que esconda a essência e a exponha apenas
àqueles que saibam manipulá-las com a ferramenta
apropriada às construções mais simples, despidas
de arabescos, ocultando o milagre da metáfora
quero palavra diamante bruto, a que nunca andou
adornando coroas, diademas, colos, anéis, colares
camafeus, esse já perdeu o valor que tinha, quando
ornamentava apenas água anônima de riacho para
alegria dos cardumes, que aí nadavam
desconhecendo a riqueza, unicamente sua
se quiserem, podem até ressuscitar termos que foram
banidos dos falares. Agrada-me o que é desprezado
relegado do cerne da realidade que era sua
por direito de nascença. Passem-me um quinau
ou me digam que é gáudio todo proferir
animar-me-ei e irei recolhendo perdidas expressões
articuladas pelas bocas anônimas de meus fráteres
caminheiros de estradas, perquiridores de nonadas
os únicos capazes de reacender os carvões ocultos
ou perdidos no âmbito de minha alma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário