quinta-feira, 16 de julho de 2015

TESOURA CEGA - CARLOS MACHADO

Conheci Carlos Machado em Salvador, quando ambos visitávamos a boa terra. A dele mesmo, de nascimento, e a minha, de puro sentimento. Conheci-o como jornalista, habitante de São Paulo, e passei a acompanhar desde então a página alguma poesia, minha preferida até hoje.
Dava para imaginar que a busca, a seleção, o cuidado com a edição de cada boletim, o poesia.net, só poderiam ser feitos por quem tivesse muita intimidade com a poesia, uma intimidade que pressupõe paixão.
Sabe-se que a dedicação à poesia não é para todos. Quase sempre é atividade de poeta, de quem não esmorece ante a adversidade, se chamarmos a isso esse tempo de explosões midiáticas. Basta dizer que se perguntamos a alguém o nome de três (está bem, dois) poetas brasileiros teremos como resposta os mais conhecidos, e com certeza mais conhecidos mortos do que em vida. Na real, nem quem gosta parece se interessar tanto. Isso é sinal de tempos obscuros, de descuido com a educação, do desconhecimento geral das elites sobre a importância (e a necessidade) da poesia. Carlos Machado navega contra isso, e sua luta é pacífica e magnífica, de resistência, de quem sabe que a garantia de manter viva a poesia já escrita é a existência dos poetas vivos. Só eles se dão ao trabalho de reler e reler, repensar, revelar, recriar. E por tudo isso, o que havia a esperar aconteceu: um pássaro novo pousou na literatura contemporânea brasileira - O pássaro de vidro, de 2006 trazia aos admiradores o livro próprio de Carlos Machado, este poeta delicado e incansável que mantém viva a obra de quantos souberam olhar o mundo e a si mesmos sem as rédeas do pensamento único.

Depois vieram Mané Ventura, Gonçalo e eu - uma história de cordel, de 2012, Cada bicho com seu capricho - poemas para crianças, de 2015, e Tesoura Cega, também de poemas, de 2015.
Carlos Machado passeia pelos temas eternos da poesia e também da sua própria eternidade, alcançada quando identifica seu papel no mundo, a originalidade do olhar, o entendimento com as coisas, o mar, o mundo, as gentes todas que nos habitam.

Como sabem, não sou crítica. Sou apenas amante e leitora de poesia. Do que gosto, gosto. Sobre o que não gosto, não adianta tergiversar. A crítica está nos textos de Mario Rui Feliciani e Ronaldo Costa Fernandes, autores dos textos da orelha e do posfácio, respectivamente.
O livro  é da dobra literatura e faz parte do Selo Donizete Galvão de poesia.
E abaixo vão três poemas do livro.




MAPA

De certo, apenas a incerteza.
O copo branco sobre a mesa
e esta aspiração de domingos.
De certo, a morte e seus respingos.

O menino azul quer um mapa,
carta de agir, segura e exata.
Quer seguir rijo, reto e justo
para justíssimo lugar.

O que, então, responder? Desiste,
esse lugar não há e  triste 
não há mapa, nem portulano,
nem porto lhano onde ancorar?

Como dizer? Menino, os mapas
não são roteiros de achamento,
mas tênues direções de vento
para quem só busca o buscar.


PASTELARIA TRIUNFO

Foi na Pastelaria Triunfo
uma casa de comércio na
Cidade da Bahia  mas também
um locus suspenso na memória
de meu amigo Santana  
que se deu aquele episódio
de criança, luzes, sorvetes
e alumbramento. Cada um
de nós tem sua Pastelaria Triunfo,
seu porto de sonhos à prova
de vento e desterro. Não importa
se um dia o lugar existiu
de física presença  na Ladeira
da Praça, na Graça, na Praça
da Sé  ou é apenas miragem,
amarrotado desvario que
mantém o homem vivo.

A CAÇA INSUBMISSA

Nada possuis do outro
nem corpo nem asa
nem mesmo o sopro
morno da palavra

teu é apenas o perfume
de carne e cedro
que aspiras na pele
da caça insubmissa

nada é teu: dorme
e inventa no sonho
outra forma de laço
caça sem caçador


...


quinta-feira, 9 de julho de 2015

RITA MOUTINHO

Impressionada com os acontecimentos, perplexa ante a letargia visível dos que deveriam ser agentes de mudanças e a histeria dos que deveriam calar me dou conta de que tenho descuidado do que realmente importa.
As crises são eternas, mesmo que com tréguas, mas se pousarmos o olhar sobre a história veremos que sempre houve a exploração, a mentira e a miséria. Estão absolutamente ligadas. Não há motivo, portanto, para nos surpreendermos com o momento histórico. O máximo que podemos fazer é poesia. E fazemos.
Caminho e salvação, a poesia nos acorda, mexe conosco, espanta as falsas ilusões, nos ejeta da zona de conforto e nos faz viajar do átomo às estrelas. Tudo é matéria de poesia.

Aqui estão dois momentos importantes na trajetória de um dos nomes que elegi (é muito difícil arrepender-se quando se elege um poeta) em tantos anos. A primeira diz respeito à 2a. edição de Sonetos dos Amores Mortos, de Rita Moutinho, inicialmente publicado em 2006, bem como a edição bilingue (castellano - português)  de Vocabulario: um hombre, das Ediciones Ruinas circulares, Buenos Aires,
2014,  tradução para o espanhol de Marta Spagnuolo, editado no Brasil em 1995.

Fiquemos com Rita. 









SONETO DA MENSAGEM DO JARDIM


Soube notícia dele: vai vivendo.
Passeio no quintal emurchecido
com a brisa escorregando dos meus dedos
e os perfumes dormindo sob os limos.
Secaram as flores sem o amor das regas,
e contam nossa história só gravetos,
ossos imóveis, nus da primavera
que habitou pelos anos o terreno.
Soube notícias dele: vai vivendo.
E o que faço plantada em chão de trevas?
Cedo minha raiz à mão do vento
que espalha também no ar mortas quimeras.
          Digo-me seca, pisando o ex-jardim:
          Suicidou-se somente para mim.


SONETO DO LUTO  GRADUAL

Ainda não vivi luto total.
Tanto te vi morrer e renascer
que minha mão hesita em verter cal,
meu coração hesita em esquecer.

Lento, tem que ser lento e bem gradual
despir-me de tuas cores, esmaecer,
e dar ao fato o negro do fatal,
e dar ao tempo o vácuo do perder.

A dor, imperatriz do desespero,
descoroa-me já desses espinhos
que cingem meus momentos de exaspero.

Que restem após o luto azuis carinhos
e uma saudade mansa, um manso esmero
em aprender a revoar com passarinhos.

(in Sonetos dos Amores Mortos)






DECISÕES

Nós assim perdidos nesta cama,
assim com frio
onde fizemos filhos e incêndios.

Uma lareira? Os ares do campo?
Outra partida, tentativa, tentos?

O fim deste poema nós leremos
no tempo.


AQUELE HOMEM

Já foi pedra
esponja
a superfície
pouso 
do seu corpo.

Desbravei seu peito,
comi o açúcar
louco
dos seus olhos.
Fui seu fosso,
dedilhei seus ossos,
adormeci na hora
do seu sono.

Não sou de ferro:
nem passado
nem ferrugem
somem
aquele homem.

PAIXÃO

Completamos o circuito
das horas sem ponteiros.
Nenhum modelo nos formaliza.
O relógio mais íntimo
bombeia nosso ritmo.

As bocas são siamesas,
a emoção é um nó
entre dois trilhos.
A paixão é isto
e não saber limites,

não ter pés para a despedida.


(in Vocabulario: un hombre)

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

  La Maison de la Poésie de Poitiers
         vous propose
UNE LECTURE-RENCONTRE AVEC:
ASTRID CABRAL
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Vendredi 19 Septembre 2014
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18 h 30    Librairie La Belle Aventure
15 rue des Grandes Ecoles - Poitiers
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terça-feira, 2 de setembro de 2014

IRMÃOS - um conto de Rolando Revagliatti

IRMÃOS

Traductor: Nilto Maciel

                 Marcelo nasceu quinze minutos antes de Dana. Mais bem recebidos pelo pai do que pela mãe. No entanto, Marcelo se apegou à mãe linfática, à tolerante e até indolente mãe, enquanto Dana se sentia muito respaldada pelo pai. A suave Dana terminava suas brincadeiras vespertinas ouvindo fitas de música em inglês. Marcelo preferia rádio
ou televisão. E também gostava mais de ler do que Dana, embora esta conseguisse se concentrar com mais facilidade. Participava dos atos patrióticos da escola, recitando poemas de Baldomero Fernández Moreno ou Conrado Nalé Roxlo que Marcelo seleci­onara, ou cantando canções de Piero, ao som de sua guitarra.


                  Enquanto urinava, Marcelo foi descoberto em seu precoce desenvolvimento genital por outros dois meninos, que se fizeram alvoroçados e estupefatos. Marcelo já havia chamado a atenção de todos para a sua desvantagem em relação aos exibicionistas. No entanto, a sensacional noticia logo chegou aos ouvidos de alguns professores e de todas as alunas, inclusive Dana, de que se orgulhou.

                  Dana se atreveu a propor a Marcelo, na primavera, em um piquenique, distantes do resto da família, com os pés num pequeno arroio e maliciosa doçura, que se deixasse olhar ali por ela, imóveis durante um momento, para ver o que aconteceria. Marcelo, agitando‑se, negou o pedido e se pôs em lugar seguro. Foi ele quem, dias depois, após refletir, retomou a escandalosa proposta: rogou a Dana que por favor não tocasse mais naquele assunto. Não pôde apresentar muitos argumentos, posto não os ter em mente. Raciocinou durante toda a noite, tratando de se acalmar. Recusou, respeitoso e confu­so, projetos de envolvimento com companheirinhas de colégio.


                 Aproveitando um entardecer em casa, quando todos se haviam retirado, Dana, por fim, decidiu agir de outro modo. Como Marcelo dormitasse numa poltrona, aproximou‑se dele e, súbito, colocou, com parcimônia e naturalidade, sua mão esquerda – era canhota – na braguilha da calça quadriculada de Marcelo, que deixou de respirar por alguns instantes, sobrancelhas assustadas, como se não entendesse o que o ator­mentava, porém já desfrutando do apalpo desejado, mudo, prático. Marcelo sentado e Dana inclinada e detrás da poltrona. O telefone não tocava, ninguém à porta e o pequinês dormia. Nenhuma distração. Dana apertou o membro enrijecido. Sua mão baixou o fecho da calca de Marcelo e se introduziu, de forma grosseira, na abertura. Como se freada, a mão não se animou a estender os dedos, até que, em novo e repentino golpe magistral, agarrou de vez o membro. Com a ajuda de Marcelo, Dana se deslumbra e se avermelha. Marcelo manifesta alguma pressa. Emite um som e um simulacro de suspiro. Dana utiliza agora a mão direita e com as pontas dos dedos recobre‑se com o capuz e chora. Marcelo também chora. Eclipsados pela magnética consumação do ato. E, mão  sobre mão, aguardam a oferta abundante e enlouquecida do esperma inicial.


Rolando Revagliatti nació el 14 de abril de 1945 en Buenos Aires, ciudad en la que reside, en Argentina.
LIBROS PUBLICADOS en soporte papel (entre 1988 y 2009): Obras completas en verso hasta acá, De mi mayor estigma (si mal no me equivoco):, Trompifai, Fundido encadenado, Picado contrapicado, Tomavistas, Propaga, Ardua, Pictórica, Desecho e izquierdo, Sopita, Leo y escribo, Del franelero popular, Ripio, Corona de calor (poesía); Las piezas de un teatro (dramaturgia); Historietas del amor, Muestra en prosa (cuentos y relatos); El Revagliastés (antología poética personal), Revagliatti – Antología Poética (con selección y prólogo de Eduardo Dalter). Excepto Historietas del amor, cuentan con ediciones electrónicas, así como también sus dos poemarios inéditos en soporte papel: “Ojalá que te pise un tranvía llamado Deseo” e “Infamélica”, disponibles gratuitamente para su lectura o impresión en:

Nilto Maciel - escritor brasileiro, nascido em Baturité, Ceará, em 30 de janeiro de 1945, falecido em 29 de abril de 2014 em Portaleza, Ceará.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

POESIA PERNAMBUCO

Aqui, alguns Quase Haicais de Joca de Oliveira que, junto com Wilson Vieira, edita o zine POESIA DESCALÇA,  alternativo que já completou 10 anos de resistência. A par da militância poética, Joca de Oliveira publicou Os últimos pássaros da cidadePara além do peito tatuado e QUASE HAICAIS I e II.

Ciência do casulo:

Aguardar da borboleta
O grande pulo.

O petróleo do navio

pintou de preto o mar.
Natureza morta.

Astro
Ao cometa  com ciúme 
Também tenho luz,
diz o vaga-lume.

Pequenos burgueses Coloquem água quente no bule
ou na térmica com cuidado. Paciência.
A nossa fome vive sentada à cama.

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Os poemas abaixo são uma amostra do que contém a edição nº 13 do Balaio de Gato - Cultura em movimento, editado no Recife por Jorge Lopes, comemorando os 34 anos de história do Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco.



DOMINGO, NA MATINÊ
Alberto Cunha Melo

Não, não sou o cowboy solitário
mas aquela nuvem de poeira
atravessando a planície:
me falta coragem de entrar em Abilene,
pedir um trago no balcão
e perguntar grosso pelo facínora,
bebo aqui mesmo e sinto medo da noite;
não tenho revólver com marcas na coronha,
nem cavalo ensinado que me desamarra com os dentes,
sou o índio sem rosto, que só sabe cair;
não sou cowboy solitário;
não salvo Susan da quadrilha de Jesse
nem do mau casamento,
mas brigo com o espinho para espiá-la no banho.



PEITICA SARCÁSTICA
Lara

No Olimpo
ou aqui pertinho
a barra é pesada.
De tronos olímpicos 
ou buracos humanos
vem certeira
cacetada.
De deusinhos 
cloróticos
ou nobreza
bem safada
o sopapo
da pancada.
Segure o bofe
dessa vil
papagaiada

ANTÍPODA
Fred Caminha

Sou quem crio
Sendo criado

Sou da frente

Sendo do lado

Sou marginal

Sendo abissal

Sou sincero

Sendo mistério

Sou absurdo

Sendo critério



CACHAÇA ATÔMICA
Aldo Lins

Me armei com o copo e a espada
E a minha lança perfumada
Como um infante
Que perdeu a infância
E a infantaria

Não reconheci meu inimigo

Só no espelho o coração ferido
Como um cavaleiro
Que perdeu a dama
E a cavalaria.

Arremessei cem copos

De goela abaixo
E atravessei a rua
Como um artilheiro
Que perdeu o gol
E a artilharia.

****
Heloísa Bandeira de Melo

Amei a nossa noite
que não era noite
e nem era nossa
apenas amei
com a força do ódio
que não era ódio
nem era força
apenas cansaço da vida.



SOBRE O GOSTAR
Miró

Passado o 1º susto
O resto é café pequeno
Gostar tem lá os seus golpes:
beijos e quedas que quase sempre
nos levam a uma clínica de fraturas
Tem uns até que dizem,
engessar o coração para sempre.
Passado o 1º susto
O resto é café pequeno.

TARDE
João Landelino Câmara

Tarde nos céus

tarde de estio
tarde sem frio
tarde sem véus
tarde demais

Sol moribundo

sombras no asfalto
respiro alto
suspiro fundo
tarde demais.

FALA
Tereza Tenório

A boca mastiga a fala
quando ondas de saliva
calam o último pulsar
desta alegria interdita
até quando chegue a morte
sua sombra iluminada
da solidão dos vitrais
mudos de luar e bala

ILUMINADA
Lucila Nogueira

Eu prefiro chamar-te inocente
liberdade secreta da verdade
doce sabedoria que não mente
filtrando as rédeas da realidade

Eu prefiro chamar-te inocente

exagerado em sensibilidade
gigante alucinado comovente
eu prefiro chamar-te inocente

REPÚBLICAS ESTUDANTIS
Xico Sá

o barulho da descarga
pira espanta a noite
louca a galope
morcego cego
mosca barata tonta
vampira vã kafkiana
que masturba os rapazes
das repúblicas estudantis
febris rapazes infantis
que ainda choram
o esperma derramado.

MOÇA DE MIL LUAS
Wilson Vieira

Senti o seu olho quente
me acender a virilha
como a quilha do navio
sente o abrir-se da trilha,
como, no pavio, a chama
brilha e lança fagulhas!
Senti o ferrão do cio
como a carne sente a agulha!

Se era bela? Era tudo!

Como aquelas inventadas,
pelos pincéis modeladas,
pelos cordéis propaladas!
Era escultural mulher
como a moça de mil luas
de aldeias ancestrais,
de imemoriais festins,
branca de marfim... e nua!

Senti sua língua acesa

em cada pêlo do corpo.
Quis levantar vôo e fui
vagando seus litorais.
Nos seus grotões abissais,
encontrei cem mil tesouros!
Bebi seu líquido ouro,
quando estourou seu açude...
eu fui feliz como pude.
Que mais posso ser, que mais?



RETRATO CAMPESTRE
Carlos Pena Filho

Havia na planície um passarinho,
um pé de milho e uma mulher sentada,
e era só. Nenhum deles tinha nada
com o homem deitado no caminho.

O vento veio e pôs em desalinho

a cabeleira da mulher, voando,
e despertou o homem lá na estrada
e fez o canto nascer no passarinho.

O homem levantou-se e veio, olhando

a cabeleira da mulher voando
na calma da planície desolada.

Mas logo regressou ao seu caminho

deixando atrás um quieto passarinho,
um pé de milho e uma mulher sentada.

NATAL DEPOIS
Cícero Melo

Seu José toma cachaça,

Madona Maria esmola
e Jesus, bem pequenino,
pelas calçadas se esfola,
com seus olhos de assassino,
cheirando os sonhos de cola.


CALDEIRÃO LISÉRGICO
Malungo

A brisa da manhã vem galopar na minha pele.

Vagabundo que coma lixo e rico que se encastele.
Os passarinhos enfileirados dentro da caixa de música.
Mas, no subúrbio, aflora o solidário de formas rústicas.

Cabeça que "bóia", caneta que entorta.Sai por aí filosofando com postes pedras e portas.

Beira-mar, beira de céu; beirando a pinel.
Vive a cantar melodias estranhas, fora da parada do "cartel".

Quero deslizar no meu pensamento colorido.

Quero entender a nóia do soldado tão sentido.
Quero folhas verdes, vaginas e beira-mar.
E agora, como coser os retalhos do pensar?

Pilatos tomando uma com limão no Bar Rabais.

É o meu coração ateu de velhos carnavais.
Os "noves fora" da conta draudada dos zeros
- Eu acredito mesmo é na batida do meu som stereo.  

ANGOLA
Chicão

Negra legião
madrugada
a cova em que cabe o grão
cabe a granada
na hora em que surge a vida
há explosão.



VERSO PRESO
Marcos Alexandre Morais


De livre não tenho nada
Nem a alma
Pregada nesta cidade azulada
Nem uma palavra

Tudo em mim é gravidade

Afunda
Poemas de pedra
Sonhos de chumbo

A liberdade é uma invenção

Para vender passagens...

Meu barco é composto

por âncoras
Minha virtude por vícios

De livre não tenho nada

Só o sacrifício

CORPO A CORPO
Wilson Freire

E rolamos e bolamos,
nos chocamos
até virarmos dois seixos.
E suamos e molhamos 
e nadamos
até virarmos dois peixes.
Mergulhamos, afundamos e giramos
até perdermos os eixos.
Nos lançamos, nos cruzamos,
nos traçamos
até virarmos um feixe.
O meu fluo,
teu refluxo,
nós dois flácidos:
vertiginoso desleixo.


RESISTÊNCIA
Jorge Lopes

Uma canção de amor
Eu construo agora
Com meus sonhos
   E tua fome de tudo.

***
O poeta Haroldo

A ausência 
de compreensão
Para o que é
da existência
é perseguição.


BÊ-A-BÁ
Ericskon Luna

Bicados num beco de mim
aos baques
bradam baco e bakunin



CANTO DE AMOR E LAMA I
Erickson Luna

Choveu
e há lama em Santo Amaro
nas ruas
nas casas
vós contornais
eu não
a mim a lama não suja
em mim há lama e não suja
eu sou a lama das chuvas
que caem em Santo Amaro

Vosso scotch

pode me sujar por dentro
cachaça não
vosso perfume
pode me sujar por fora
suor nunca 
porque sou suor
a cachaça e a lama
das chuvas que caem
em Santo Amaro das Salinas


DÁDIVAS
Manoel Cardoso
(para Marília Marcelo e Roberto Braida)

Não me enviem palavras desgastadas
submersas inteiramente em repetitivas falas
nas quais proliferam os chavões, as mesmices
de um cotidiano sem nenhum reflexo
do autêntico, mesmo que venham envoltas
em papéis brilhantes, que se antepõem
ao nada do presente

enviem-me palavras pedras, recém-tiradas do cascalho

com o polimento apenas da correnteza do arroio
palavra que esconda a essência e a exponha apenas
àqueles que saibam manipulá-las com a ferramenta
apropriada às construções mais simples, despidas
de arabescos, ocultando o milagre da metáfora

quero palavra diamante bruto, a que nunca andou

adornando coroas, diademas, colos, anéis, colares
camafeus, esse já perdeu o valor que tinha, quando
ornamentava apenas água anônima de riacho para
alegria dos cardumes, que aí nadavam
desconhecendo a riqueza, unicamente sua

se quiserem, podem até ressuscitar termos que foram

banidos dos falares. Agrada-me o que é desprezado
relegado do cerne da realidade que era sua
por direito de nascença. Passem-me um quinau
ou me digam que é gáudio todo proferir
animar-me-ei e irei recolhendo perdidas expressões
articuladas pelas bocas anônimas de meus fráteres
caminheiros de estradas, perquiridores de nonadas
os únicos capazes de reacender os carvões ocultos
ou perdidos no âmbito de minha alma.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

JOMARD MUNIZ DE BRITTO

No final de agosto esteve no Rio de Janeiro o professor, crítico de cultura, cineasta, filósofo pop, prosador, autor dos famosos Atentados Poéticos, tropicalista de primeira hora, objeto de teses e de ensaios de críticos nacionais e internacionais, Jomard Muniz de Britto. 
Jomard veio a convite dos organizadores do IV Seminário de Pesquisadores do Programa de Pós-graduação em Artes, da UERJ, para participar do Seminário Práticas Antropoêmicas na Arte e na Cultura, que se realizou no auditório Cartola daquela Universidade.
Trouxe na bagagem exemplares de A Língua dos três Pppês: poesia, política e pedagogia, livro com que foi homenageado no III Seminário Nacional de Arte-Educação pelo SESC - Piedade de Pernambuco, organizado por Antonio Edson Cadengue e Igor de Almeida Silva e reúne uma antologia de textos publicados entre 1967 e 2009 através dos quais participou ativamente da vida cultural do Recife.
Mas não é apenas na luz do pensamento, do conhecimento e do ensino que passeia Jomard. É a rua que o seduz, as pessoas que encontra, as que são atingidas pelos seus atentados poéticos e ficam imediamente subjugadas por aquela figura que traz algo de novo, que oferece perguntas que marcam as pessoas, que o tornam inesquecível. Talvez por isso Jomard seja hoje a figura mais popular do Recife. Os mais velhos o conhecem porque é depositário de um grande saber; os mais moços se identificam porque é ele, justamente, setentonto, como se autodenomina, aquele que expressa melhor a noção de liberdade e crítica; mas não só a noção, também a ação, que pode ser apenas uma caminhada pela manhã ou em alguma intervenção para a qual seja chamado a participar. Não há dúvida de que ele é o que mais cativa e o que mais confunde, e ao confundir, esclarece questões relativas à educação, música, sexo ou política.
Jomard não é o tipo de pessoa que se possa resumir. Jomard é muito, é demais,  é incansável na busca, amoroso no sentimento, versátil frente ao mundo.
O livro, as inúmeras entrevistas de que já foi objeto, o filme de Lucy Alcântara (versão desautorizada), o falar com as pessoas da rua, fazem de Jomard um filósofo peculiaruma vez que a filosofia, hoje, é coisa por demais elitista para que seja do gosto do poeta.
Pois essa grande figura preparava-se para a sua palestra no campus da UERJ quando a polícia, chamada pela Reitoria para desbaratar uma greve de servidores, entrou no campus e dissolveu o movimento com meia dúzia de tiros. A direção da Universidade, para colaborar com a ordem, mandou apagar a luz dos prédios.
Sem espaço ou diálogo, os organizadores transferiram o evento para um bar nas imediações da Universidade.  Mas Jomard não se alterou. Ele já passou por muita coisa, já foi preso, já foi reprimido (ou aposentado pela ditadura) e não se deixa abalar. É um homem do mundo, e mais do que isso, é um homem que compreende o mundo. É, será, eternamente agora. 




atentadospoéticos@yahoo.com



segunda-feira, 17 de setembro de 2012

CARMEN MORENO






Estréia dia 24 de setembro no Teatro Finep a peça de autoria da escritora Carmen Moreno, que a cada dia se impõe como um talento de múltiplos recursos.
Porque deixei de te amar é o novo trabalho da autora e já mereceu o prêmio Stanislaw Ponte Preta, da Rioarte.

O Espaço Finep fica na Praia do Flamengo, 200 e o espetáculo, em duas sessões, começa às 18h30min e 21min.
Você, que já se acostumou com a última reforma ortográfica, não se espante. Estréia e idéia, por exemplo, são palavras que precisam de acento. É o acento que lhes confere importância. Sem ele, são palavras vãs. E Carmen Moreno, certamente, não escreve palavras vãs.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

LUIZ BACELLAR


Recebi com muita tristeza a notícia da morte de Luiz Bacellar, em 9 de setembro, que só chegou por aqui ontem, via Diego Mendes Souza. 
Conheci Luiz Bacellar pela mão da amiga Astrid Cabral, ambos pertencentes       ao famoso Clube da Madrugada, quando pude constatar, como ela já me afirmara, o grande poeta que era. Um intelectual no sentido lato, espirituoso, às vezes mordaz, mas sempre o crítico inteligente, patrimônio da cultura amazonense. Admirado por poetas, popular entre leitores, Bacellar teve uma vida longa dedicada à poesia. 

Transcrevo, e já com atraso, o texto de Adrino Aragão sobre a poesia de Luiz Bacellar, viva além das datas que marcam nascimento e morte. Bacellar enfrentou a doença e morreu logo depois de completar 84 anos.

"Ele era um nobre perdido em uma cidade sem nenhuma grandeza, e essa luz aristocrática se apagou" (Márcio Souza)

Luiz Bacellar é, dentre os expressivos poetas amazonenses, o mais aclamado pelas elites, estudantes e populares de Manaus. Mas, ao contrário do que possa parecer, sua poesia não é tão simples, de fácil consumo. Artesão da palavra, carpinteiro do verso, Bacellar constrói cada poema com rigor formal e forte densidade temática, numa linguagem refinada, primorosa.

Como explicar o sucesso de um poeta sério como Luiz Bacellar que não faz poesia em função do mercado? Mistérios da poesia, da arte? Talvez. Quem sabe uma resposta ao mercado do livro que aí está: a boa literatura brasileira existe; há, sim, leitores para a poesia, o conto, o romance, a novela de nossos escritores.

A verdade é que são 50 anos de trabalho poético de Luiz Bacellar. Frauta de barro, seu livro de estreia, na correta afirmação do poeta e crítico literário professor Tenório Telles, “é um marco na evolução da literatura que se faz no Amazonas”.

De formação clássica e espírito de renovação estética modernista, Bacellar pôde construir, com admirável liberdade (já a partir desse livro) algo de novo na dicção lírica de sua poesia. E que haveria de se ampliar em livros posteriores. Canta o poeta em “Variações sobre um prólogo”: “Em menino achei um dia/ bem no fundo de um surrão/ um frio tubo de argila/ e fui feliz desde então; // rude e doce melodia/ quando me pus a soprá-lo/ jorrou límpida e tranquila/ como água por um gargalo. // E mesmo que toda a gente/ fique rindo, duvidando/ destas estórias que narro, // não me importo: vou contente/ toscamente improvisando/ na minha frauta de barro.// É o tema recomeçado/ na minha vária canção.”

Enquanto muitos destroem o passado com a ânsia de criar o novo, o moderno, o poeta Luiz Bacellar mantém forte diálogo com a tradição, elege a memória como tema em muitos de seus textos poéticos. Sem saudosismos. O passado tem o sentido de memória, de registro - seja de denúncia ou crítica (quase sempre bem-humorada) contra o silêncio do descaso, do abandono, da “insanidade de um presente” que flagela e aniquila as fontes de nossa história. Como nos versos de “Balada da rua da Conceição”: “Vão derrubar vinte casas/ na rua da Conceição./ Vão derrubar as mangueiras/ e as fachadas de azulejo/ da rua da Conceição./ (Onde irão morar os ratos/ de ventre gordo e pelado?/ e a saparia canora da rua da Conceição?” O poeta, por vezes, estende o olhar sobre gentes humildes, os esquecidos, como em “Lavadeiras”, poema do mais fino lirismo, comparável a de um Jorge de Lima: “A roupa nos varais panda flutuando,/ com seus laivos de anil coando a brisa,/ até parece ávida nau cortando/ o mar azul que a leve espuma frisa.// O vento timoneiro vai guiando/ e o sol nas bolhas de sabão se irisa/ enquanto as lavadeiras vão cantando/ a torcer e a bater na tábua lisa”. Aliás, como um Midas, Bacellar consegue transformar em filigranas de poesia as coisas mais comuns, por exemplo, um simples isqueiro, vejam: “Se, na pedra, acordo estrelas/ com um golpe do polegar,/ a chama, só para vê-las,/ já se levanta a bailar”.

Frauta de barro tem ainda outro mérito. Deu ao poeta Luiz Bacellar o prêmio Olavo Bilac, da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro (1959). Na comissão julgadora do concurso estavam dois dos maiores poetas brasileiros, Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Pode haver reconhecimento maior que este, para qualquer escritor?

Mas Luiz Bacellar não é poeta de um livro só. Outros foram publicados. Cada um deles revela, de modo surpreendente, a performance desse poeta que tece poesia de altíssima qualidade.

Sol de feira é outro grande momento literário de Luiz Bacellar. Para início, o tema é originalíssimo, senão inusitado, na poética brasileira. Professor Ernesto Renan Freitas Pinto considerou o livro um “pomar real” que “nos ensina a admirar e saborear a rica coleção dos frutos da terra”. Vejo-o como telas do mais belo impressionismo. Mas, às vezes, parece escorrer, do rondel de cada fruta, um sumo mágico de canções: é quando me sinto arrebatado pelos acordes de uma sinfonia de Bach ou Handel. Por que não de Villa-Lobos? Como nos versos de “rondel da pitanga”: “Gracioso arbusto/ de folhas breves/ todo adornado/ de frutos leves/ como as caboclas/ do meu torrão/ e as notas loucas/ do meu violão// rubras miçangas/ rubis talhados/ de viva cor/ sois vós pitangas/ cristalizados/ beijos de amor”.

Há mais, muito mais. Por exemplo, um belíssimo poema musical longo, dividido em 33 partes – ou, como declara o poeta, sonata em si bemol menor para flauta, fagote, clarinete e oboé. Inclusive uma boa safra de haicais, em que o poeta reafirma o seu talento criativo. “Rajadas de chuva/ sobre o teto de alumínio:/ sons da lua cheia.” “Como um prisioneiro/ a lua me espia pelas/ grades do banheiro.” “Água resmungona.../ No tanque limoso/ o pulo da rã.” (Bashô)

A Editora Valer publicou (1998) as obras de Luiz Bacellar, reunidas em um só volume, com o título de Quarteto.

Vale a pena ler Luiz Bacellar. E conhecer, através de seus poemas, a trajetória luminosa do poeta amazonense, que atingiu o estado de excelência na poesia brasileira. Mais que isto. Ultrapassou a barreira do preestabelecido: ao lidar com elementos tradicionais, aprofunda o exato conceito de modernidade.

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domingo, 1 de julho de 2012

MIGUEL MOTTA


Querida gente, ya estará a punto de aparecer en librerías la más reciente novela de Miguel Motta (buen amigo y escritor salteño radicado en Montevideo),un trabajo por el que obtuvo el primer premio del concurso Narradores de Banda Oriental y la medalla de oro Juan José Morosoli.
Conociendo la firme escritura de Miguel, no dudo de los buenos momentos que traerán estas páginas.

Celebro muchísimo la feliz salida de esta obra, que comparto con una soleada tarde del verano barcelonés. 
Abrazos, Héctor 

A notícia da premiação eu já sabia. Faltava só a liberação da notícia. Héctor foi mais rápido que eu, mas não importa. Vale igual.
Hoje é 1º de julho, nascimento de Juan Carlos Onetti, escritor uruguaio de predileção de Miguel Motta.
Miguel Motta é natural de Salto, assim como o mestre do conto, Horacio Quiroga. E juntamente com o prêmio, de que nos dá conta o amigo Héctor Rosales, receberá também a medalha de ouro Juan José Morosoli, que tanto admira e tantas vezes leu. 
Pode parecer uma lista de acasos, mas certamente não é. Miguel é um escritor talentoso que bebeu em altas fontes. Não é este o primeiro prêmio que recebe, e seus livros são sempre fruto de um cuidadoso trabalho narrativo. Seu amor pela literatura, a dedicação e o rigor com que escreve resultam nessa grande e inenarrável sensação de júbilo que é receber o prêmio e contar de imediato com a edição de 4.500 exemplares das Edições Banda Oriental - uma editora tradicional no Uruguai e em grande parte responsável pelo alto índice de leitores naquele país.
Conhecemo-nos há alguns anos no Rio e desde então a amizade perdura, razão pela qual também é grande a minha alegria ao saber que mais uma vez seu talento foi reconhecido. 
Assim como Héctor o saúda na tarde de verão barcelonês, eu também o saúdo e vibro como ele, desejando-lhe as belezas do Rio, que ele tanto ama, nesse inverno com sol de verão e cantares de primavera.
Parabéns pelo filho querido - Hasta la cinta de llegada - e um abraço brasileiro a esse aguerrido escritor e querido amigo.

*Breviario de un mediocampista, (Banda Oriental, 1993); Código para una muerte (Banda oriental, 1995); Los días del agua, (Alfaguara, 2003). El jurado que premió su cuarta novela estuvo integrado por Alicia Torres, Óscar Brando y Alfredo Alzugarat.


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quarta-feira, 27 de junho de 2012

JACINTO FÁBIO CORRÊA

Jacinto Fábio Corrêa é um fenômeno. Com 10 livros de poesia publicados e um público fiel que lota os teatros onde normalmente faz seus lançamentos em espetáculos muito bem produzidos, não se deixa levar por modismos, nem se importa com que a mídia burra não o reconheça como fenômeno. Também não me consta que participe de concursos. Esses não são os seus objetivos. O que lhe interessa é criar, a partir de temas bem definidos, universos que explora até que se transformem em livros sempre muito criativos. Feito isso, parte logo para nova empreitada, com igual entusiasmo. É, ao mesmo tempo, um criador e um trabalhador da poesia. Nesse campo, então, ainda mais raro, exercita, com o olhar perspicaz e sempre afetuoso, uma grande qualidade que é sugerir e apontar soluções para problemas que o poeta às vezes não vê, embebido que esteve em transformar em palavras o seu pensamento. Eu diria que ele é um mestre no acabamento. 
O grupo de oficina permanente que freqüenta na casa da poeta Adele Weber é testemunha do que digo.
Por acaso, o que Jacinto faz neste mundo é ser jornalista e publicitário, diretor de Planejamento e Comunicação do SENAC nacional. Mas isso é apenas por acaso. Talvez seja verdade que tenha sido posto ali para que desse modo fique mais ligado ao mundo. Se o deixassem sem amarras, Jacinto talvez voasse, e não o teríamos por perto. O que também não seria justo.
Estão convidados, portanto, para sábado, conhecer Casa de Algaços, o novo abraço de Jacinto,
que não é de perder. 


para saber mais sobre o autor, visite www.jacintocorrea.com.br